10 Considerações sobre Fausto, de Del Candeias ou tudo ia bem até o Diabo tocar violino

O blog Listas Literárias leu Fausto, de Del Candeias publicado pela editora SESI-SP; Confira neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro e descubra por que tudo ia bem até o Diabo tocar seu violino um modão de Tartini:1 - Cada livro chega ao leitor, leitora, por caminhos únicos. Às vezes uma capa, um chamamento da estante, um encontro fortuito, enfim, as razões que nos levam a ler uma obra são múltiplas. No nosso caso chegamos a esta leitura em grande parte devido às nossas pesquisas com a natureza fáustica, justificativa que faz sentido quando talvez consideramos nossa recepção à obra, nesse caso, assumidamente uma adaptação do Fausto, de Goethe, todavia uma adaptação bem livre como veremos, inclusive a ponto de nos questionarmo a viabilidade do uso do termo adaptação. Mas enfim, em linhas curtas a narrativa - eis uma diferença já enorme ao texto de Goethe - leva para a prosa um novo Fausto, a partir da jornada de um personagem aqui visto já numa infância bastante peculiar à sua vida jovem e adulta quando depois de sorver todos os conhecimentos possíveis parte para um pacto com o capeta em busca a experiência indescrítivel e única com que anseia;2 - Não consideramos o termo adaptação como o mais viável no sentido que entendemos este Fausto mais como releitura do texto fáustico, termo que, inclusive soaria mais interessante e mais condizente com a própria natureza deste mito de tantas e múltiplas versões e concepções. A trama nos é trazida por um narrador que lembra certos narradores dos anos oitocentos em seus findo, sempre buscando o diálogo para com o narratário ao mesmo tempo que não disfarça sua simpatia pelo protagonista, visto pelo narrador sempre como "nosso herói". Neste romance iniciamos com um Fausto jovem e peculiar, talvez o momento mais assustador e sombrio do texto, que entrega-nos um estranho prodígio, um menino cujo hábito da leitura inicia-se enquanto bebê praticamente e aos 10 anos consegue, inclusive, ter lido todos os livros na Biblioteca do pai. Um Fausto precoce, constituido pelas leituras que faz, uma estranha miniatura em corpo adolescente que vai chamando a atenção da comunidade de Leipzig, Alemanha;3 - Para além do espaço tradicional ao alvorescer deste mito, embora não explícito, mas considerando a própria declaração dos textos paratextuais de ser uma adapatação do texto de Goethe, o tempo da narrativa parece-nos, pelos aspectos contextuais, ser próximo ao período da publicação do Fausto goetheano. A cidade surge-nos como um aglomerado urbano ainda que como ares camponeses. Nesta pequena urbe social o jovem Fausto, então, após ser reconhecido como grande estudioso chega à juventude como um homem das ciências, claro, a tão mítica alquimia, sendo nesta versão de Candeias, o ápice do sucesso do rapaz, a descoberta da fórmula criadora do ouro, descoberta que tanto causa-lhe o choro do júbilo, como a consciência desperta da vã (e perigosa) descoberta, que leva-o a colocar fogo na fórmula. Chegando ao ápice de sua descoberta, o que mais restaria para Fausto então fazer?4 - E é aí que o Diabo começa a tocar seu violino, conforme título deste post. Até então há alguma novidade ou acréscimo às estórias fáusticas na narrativa e o jovem Fausto nos é vendido como um exemplar máximo de inteligência. Até então, terá inclusive vencido batalhas intelectuais, uma destacada com um professor de história bastante prepotente. Ocorre que, com certo efeito e êxito, o narrador com grandiloquência vai nos convencendo da distinção deste Fausto nos saberes, o que sofre bastante impacto em seu primeiro encontro com Mefistófeles nesta narrativa. Logicamente este impacto será percebido e notado por aqueles leitores ou mais dedicados e conhecedores das jornadas fáusticas ou que saibam um pouco da língua alemã, mas talvez passe despercebido da maioria dos leitores da narrativa (será?)...5 - Ocorre que Mefistófeles surge a Fausto em seu contato inicial como um violinista ques está tocando o Fausto de Tartini, por sinal. E nessa apresentação talvez ocorra a quebra do pacto entre leitor e narrativa, se não uma quebra total, ao menos um forte abalo. Ocorre-nos que Fausto vinha sendo-nos apresentado como uma mente prodigiosa, o que, até certo ponto, enquanto leitores, concordávamos. Só que o violinista apresenta-se então como Teufel (Diabo) e o jovem arguto e esperto nada fala sobre tal nome? Aliás, Fausto sendo alemão poderia ignorar o significado de tal nome? Tudo bem, entendemos a tentativa de fazer referência aos Teufeulsbücher (Livros do Diabo, obras que circularam bastante pela Alemanha na segunda metade do Séc. XI, entre eles o Fausto editado por Johann Spies em 1587), talvez aos leitores totalmente leigos na temática, ainda assim soou-nos como um recurso estético para lá de frágil e cujo maior problema nem está na referência ou escolha da palavra, mas justamente pelo fato de quebrar certo encanto sobre os prodígios do narrador... Para um jovem que lera todas as obras da biblioteca da famí

Jan 26, 2025 - 13:47
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10 Considerações sobre Fausto, de Del Candeias ou tudo ia bem até o Diabo tocar violino

O blog Listas Literárias leu Fausto, de Del Candeias publicado pela editora SESI-SP; Confira neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro e descubra por que tudo ia bem até o Diabo tocar seu violino um modão de Tartini:


1 - Cada livro chega ao leitor, leitora, por caminhos únicos. Às vezes uma capa, um chamamento da estante, um encontro fortuito, enfim, as razões que nos levam a ler uma obra são múltiplas. No nosso caso chegamos a esta leitura em grande parte devido às nossas pesquisas com a natureza fáustica, justificativa que faz sentido quando talvez consideramos nossa recepção à obra, nesse caso, assumidamente uma adaptação do Fausto, de Goethe, todavia uma adaptação bem livre como veremos, inclusive a ponto de nos questionarmo a viabilidade do uso do termo adaptação. Mas enfim, em linhas curtas a narrativa - eis uma diferença já enorme ao texto de Goethe - leva para a prosa um novo Fausto, a partir da jornada de um personagem aqui visto já numa infância bastante peculiar à sua vida jovem e adulta quando depois de sorver todos os conhecimentos possíveis parte para um pacto com o capeta em busca a experiência indescrítivel e única com que anseia;

2 - Não consideramos o termo adaptação como o mais viável no sentido que entendemos este Fausto mais como releitura do texto fáustico, termo que, inclusive soaria mais interessante e mais condizente com a própria natureza deste mito de tantas e múltiplas versões e concepções. A trama nos é trazida por um narrador que lembra certos narradores dos anos oitocentos em seus findo, sempre buscando o diálogo para com o narratário ao mesmo tempo que não disfarça sua simpatia pelo protagonista, visto pelo narrador sempre como "nosso herói". Neste romance iniciamos com um Fausto jovem e peculiar, talvez o momento mais assustador e sombrio do texto, que entrega-nos um estranho prodígio, um menino cujo hábito da leitura inicia-se enquanto bebê praticamente e aos 10 anos consegue, inclusive, ter lido todos os livros na Biblioteca do pai. Um Fausto precoce, constituido pelas leituras que faz, uma estranha miniatura em corpo adolescente que vai chamando a atenção da comunidade de Leipzig, Alemanha;

3 - Para além do espaço tradicional ao alvorescer deste mito, embora não explícito, mas considerando a própria declaração dos textos paratextuais de ser uma adapatação do texto de Goethe, o tempo da narrativa parece-nos, pelos aspectos contextuais, ser próximo ao período da publicação do Fausto goetheano. A cidade surge-nos como um aglomerado urbano ainda que como ares camponeses. Nesta pequena urbe social o jovem Fausto, então, após ser reconhecido como grande estudioso chega à juventude como um homem das ciências, claro, a tão mítica alquimia, sendo nesta versão de Candeias, o ápice do sucesso do rapaz, a descoberta da fórmula criadora do ouro, descoberta que tanto causa-lhe o choro do júbilo, como a consciência desperta da vã (e perigosa) descoberta, que leva-o a colocar fogo na fórmula. Chegando ao ápice de sua descoberta, o que mais restaria para Fausto então fazer?

4 - E é aí que o Diabo começa a tocar seu violino, conforme título deste post. Até então há alguma novidade ou acréscimo às estórias fáusticas na narrativa e o jovem Fausto nos é vendido como um exemplar máximo de inteligência. Até então, terá inclusive vencido batalhas intelectuais, uma destacada com um professor de história bastante prepotente. Ocorre que, com certo efeito e êxito, o narrador com grandiloquência vai nos convencendo da distinção deste Fausto nos saberes, o que sofre bastante impacto em seu primeiro encontro com Mefistófeles nesta narrativa. Logicamente este impacto será percebido e notado por aqueles leitores ou mais dedicados e conhecedores das jornadas fáusticas ou que saibam um pouco da língua alemã, mas talvez passe despercebido da maioria dos leitores da narrativa (será?)...

5 - Ocorre que Mefistófeles surge a Fausto em seu contato inicial como um violinista ques está tocando o Fausto de Tartini, por sinal. E nessa apresentação talvez ocorra a quebra do pacto entre leitor e narrativa, se não uma quebra total, ao menos um forte abalo. Ocorre-nos que Fausto vinha sendo-nos apresentado como uma mente prodigiosa, o que, até certo ponto, enquanto leitores, concordávamos. Só que o violinista apresenta-se então como Teufel (Diabo) e o jovem arguto e esperto nada fala sobre tal nome? Aliás, Fausto sendo alemão poderia ignorar o significado de tal nome? Tudo bem, entendemos a tentativa de fazer referência aos Teufeulsbücher (Livros do Diabo, obras que circularam bastante pela Alemanha na segunda metade do Séc. XI, entre eles o Fausto editado por Johann Spies em 1587), talvez aos leitores totalmente leigos na temática, ainda assim soou-nos como um recurso estético para lá de frágil e cujo maior problema nem está na referência ou escolha da palavra, mas justamente pelo fato de quebrar certo encanto sobre os prodígios do narrador... Para um jovem que lera todas as obras da biblioteca da família e todas as da biblioteca de Leipizig é um tanto inverssímil ele não ter percebido o "estranho" nome do violinista, mas enfim...

6 - Consideramos este aspecto interessante, inclusive porque entre prováveis leitores desta obra estejam interessados nas narrativas sobre Fausto que certamente sentirão a mesma questão. Além disso, outro aspecto que nos leva a afastar a narrativa do termo adaptação, e não que isso seja problema, é das referências que se mostram presentes na narrativa para além do próprio Fausto. Inegável as referências a'Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister", do próprio Goethe. Neste caso um referência introjetada explicitamente na narrativa de Fausto, praticamente um mash-up de duas obras goethenas. Do mesmo modo, de maneira mais relevante, e aqui talvez mais problemática se quisermos ser extremamente exigentes, são as referências a Edgar Allan Poe, especialmente ao seu poema O corvo. Aqui encontramos uma mistura inesperada, não que não faça sentido no texto de Candeias, mas qeu ainda assim cria uma sensação de anacronismo ao texto...

7 - Isso porque a referência nubla figuras distintas, a do autor e do narrador. Ocorre que ao narrador do texto, considerando o que pensamos do tempo da narrativa, as citações a Poe seriam inviáveis, já que O corvo ainda seria escrito, sendo assim, uma referência da autoria, legando com mais força ares góticos ao seu Fausto. São percepções, obviamente, que leitores mais assíduos perceberão e que ainda poderíamos pensar que os mitos em suas circulações inclusive andam pelos destempos da existência. Entretanto, em nossa leitura causo certa sensação anacrônica, ainda que as referências a'O corvo" tenham ficado interessantes;

8 - Talvez tudo isso que tenhamos dito aqui caminhem nessa nossa fixação ao termo adaptação e como é fácil afastar a narrativa de Candeias desse termo. Aí soma-se a isso a própria linguagem mais cuidada no sentido dos significados do texto de Goethe, especialmente os de natureza carnal, inclusive o desaparecimento do polêmico "noite dos walpurgis" e seus ritos. Entretanto, aí encontramos algo de adaptação, tornar mais palatável os tabus que estão em Fausto, de Goethe, até porque é uma edição do Sesi-SP;

9 - Mas feito então o pacto com o Diabo, o jovem Fausto muda. Passará a viver eternamente na taberna de Auerbach, bem mais que o Fausto original, inclusive. Tudo pela experiência única e sua fixação na sua Gretchen, namorada de seu ajudante. Isso empenhará pelo menos a segunda metade da narrativa com esse Fausto ébrio que passa a aterrorizar as noites de Leipzig, contrastanto, com o jovem centrado de outrora. Conduzido pela sedução de Lilith este Fausto lembará em alguma medida os originais nos quais se enforma, até o desfecho condizente com a salvação goetheana como um Fausto arrependido de seus excessos;

10 - Enfim, primeiramente consideramos, como já dissemos que Fausto de Del Candeias entrega-nos uma releitura, ainda que com alguma fidelidade, mas também com muitas inovações, o que, inclusive seria bom. Todavia, a quebra do pacto narrativo com leitores que conheçam um pouco mais de Fausto serÁ inevitável. Além disso, a questão de algumas referências anacrônicas pode ser discutível, mesmo que bem empregadas. Neste sentido, e provavelmente esta seja uma narrativa que se propõe a apresentar Fausto a leitores neófitos do mito, ainda que seja este um mito bastante popular, temos uma porta de entrada ao fascinante e múltiplo universo das estórias fáusticas, nesta publicação uma versão mais adoçicada, talvez, em relação aos originais e não sem alguma dose de ingenuidade em suas soluções e desfechos finais. 

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