Memorial Brumadinho propõe reflexão e ressignificação do local da tragédia
Gustavo Penna Arquitetos Associados (GPAA) concebeu um percurso que homenageia e lembra as 272 vítimas do rompimento da barragem.
Seis anos após a maior tragédia humanitária do país, foi aberto ao público o Memorial Brumadinho, espaço dedicado a homenagear as 272 vidas perdidas no rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).
O projeto nasceu da mobilização histórica das famílias das vítimas e foi desenvolvido em conjunto com elas, com o objetivo de acolher o luto, preservar histórias e transformar o local da tragédia em um território de reflexão, aprendizado, resistência e transformação.
“O Memorial Brumadinho é um espaço onde a arquitetura encontra a memória. Ele acolhe a dor e a transforma em resistência ao esquecimento, ressignificando o local da tragédia. É um lugar para lembrar histórias que não podem ser apagadas, mas também para seguir adiante com a certeza de que essas vozes permanecem ecoando em nós”, diz Gustavo Penna, do Gustavo Penna Arquitetos Associados (GPAA), responsável pelo projeto.
Entrada: o choque e a reflexão
O projeto parte de um compromisso ético de dar voz à memória das vítimas e de ressignificar o espaço marcado pela tragédia, por meio de uma interpretação simbólica e sensível.
A entrada, com sua forma retorcida e fragmentada, simboliza o choque do rompimento e a força avassaladora da lama. Feito em concreto misturado ao pigmento do rejeito da mineração, o pavilhão confronta o visitante com a brutalidade da tragédia, ao mesmo tempo em que sugere a possibilidade de novos caminhos, por meio das frestas de luz que permeiam a escuridão.
No interior do salão de entrada, a drusa de cristais ocupa um lugar central, como forma de homenagear as joias, maneira como as famílias das vítimas se referem a seus entes queridos perdidos na tragédia. Sempre no dia 25 de janeiro, às 12h28 (horário do rompimento da barragem), um feixe de luz atravessa o espaço e ilumina os cristais, representando assim a luz que faltou naquele dia.
Percurso de memória e transformação
O percurso é cortado no terreno em direção ao rompimento. Uma linha no tempo e no espaço que aponta o lugar da fratura gigantesca. É, portanto, uma fenda escavada, testemunha inapagável do que aconteceu.
O Monumento às vítimas transforma-se agora em trajetória, entre nomes e memórias, sob uma escultura suspensa. O percurso de 230 metros remete tanto à fragilidade do ser humano frente às consequências descomunais da tragédia quanto ao curso do luto, dando materialidade a um movimento que é íntimo e feito em ritmos pessoais.
A morfologia de fenda induz à introspecção, pois uma vez que se entra nela o único horizonte visível é o enquadramento ao final. Sua perspectiva direta e impactante direciona o olhar de quem passa por ali e remete ao vazio deixado pelo que aconteceu.
Nas paredes laterais, estão os nomes de cada uma das pessoas que foram levadas pela tragédia. Elas vão surgindo, uma a uma, na medida em que se caminha, como histórias gravadas nessas superfícies laterais.
No ponto central do projeto, uma escultura quadrada de 11m x 11m se eleva como uma cabeça suspensa sobre o percurso, representando a humanidade em sua falha. A forma quadrada, inclinada e instável simboliza a racionalidade brutalmente traída pelo rompimento.
Seus “olhos geométricos” vertem lágrimas, formando um véu sobre as paredes de concreto. A água, símbolo de memória e purificação, percorre o espaço até chegar ao espelho d’água sob o mirante, onde o luto encontra a contemplação.
Espaços Memória e Testemunho
Caminhando pela fenda, o visitante chega ao Espaço Memória e ao Espaço Testemunho, pensados pela cenógrafa Júlia Peregrino em conjunto com os familiares. É uma área dedicada a preservar a história da tragédia e homenagear as 272 vítimas por meio de fotos e objetos pessoais. É também nesse local que os segmentos corpóreos das vítimas estão guardados, em um espaço concebido com dignidade e profundo respeito.
Mirante, bosque e ressignificação da paisagem
O mirante, situado no ponto final do percurso, descortina a paisagem transformada pela lama. É um espaço contemplativo que convida à reflexão e oferece uma visão do impacto e da ressignificação do território, agora dedicado à memória e à esperança.
O paisagismo atua como uma costura entre o edifício e a paisagem. Percorrendo o projeto há um bosque com 272 ipês amarelos, plantados em homenagem a cada vida perdida. Essas árvores, símbolo de superação, florescem em meio à adversidade e se contrapõem aos tons terrosos da mineração, trazendo a ideia de renascimento e continuidade da vida assim como a reflexão frente aos impactos ambientais do rompimento.
Os ipês, junto aos caminhos sinuosos e trilhas orgânicas, criam diferentes percursos que possibilitam aos visitantes reconfigurar seus próprios trajetos. Esses elementos reforçam a relação entre arquitetura e natureza, promovendo uma experiência imersiva que respeita a memória do local.
O Memorial também inclui um espaço meditativo integrado à paisagem: um grande salão com pé-direito variável que se abre para o jardim. Suas atividades podem se estender ao anfiteatro externo, reforçando o caráter coletivo e comunitário do projeto. Esses espaços foram desenhados para promover um encontro mais íntimo com a memória, criando um ambiente de acolhimento e introspecção.