A solução não está no mar profundo
A decisão de Portugal de avançar com moratória à mineração em mar profundo envia uma mensagem clara: podemos e devemos procurar caminhos que conciliem descarbonização e conservação da natureza.
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O impulso global para a transição para uma economia de baixo carbono tem, paradoxalmente, pressionado fronteiras naturais ainda intocadas. A mineração em mar profundo é apresentada como uma solução viável para atender à crescente procura de minérios críticos, ou seja, matérias-primas consideradas essenciais para diversas indústrias estratégicas ligadas à energia e às tecnologias, como o cobalto, níquel, lítio e manganês.
Contudo, esta prática envolve riscos também profundos: destruição de habitats únicos, perda irreversível de biodiversidade e impactos ecossistémicos de larga escala, além das incertezas científicas quanto às consequências a longo prazo.
Mesmo no final deste mês de janeiro, a Assembleia da República aprovou novamente uma moratória à mineração em mar profundo nas águas nacionais até 2050, depois de uma primeira proposta ter caído com a mais recente dissolução do Parlamento. O reforço desta posição não só reafirma o compromisso do nosso país com a proteção dos oceanos como destaca a necessidade de repensarmos a forma como lidamos com os recursos naturais para esta transição.
A solução não está, de facto, no mar profundo, mas “à tona” da capacidade humana para a inovação. O relatório “The Future is Circular. Circular Economy and Critical Minerals for the Green Transition”, encomendado pela WWF em 2022, confirma que há alternativas que evitam a necessidade de abrir novas frentes de exploração. Estas opções passam por mudanças estruturais e tecnológicas na maneira como exploramos e produzimos.
Por exemplo, a reciclagem de lixo eletrónico, baterias e resíduos de mineração permite recuperar uma grande quantidade de minérios, reduzindo a necessidade de novas explorações e permitindo o prolongamento da vida útil de produtos e materiais, o aumento das taxas de recolha e a recuperação eficiente de recursos. No campo tecnológico, avanços promissores têm desenvolvido baterias e equipamentos menos dependentes destes minérios críticos, enquanto práticas de mineração responsável garantem a exploração das reservas terrestres já existentes com menor impacto ambiental.
Sim, mesmo que o ideal seja caminharmos para um futuro em que se consiga reduzir a necessidade de minérios, é possível atender à procura por estas matérias-primas sem comprometer os ecossistemas que queremos proteger. Para que estas estratégias se concretizem, é imprescindível que governos e empresas invistam em políticas e regulamentações que favoreçam estas práticas. Por exemplo, incentivos fiscais para indústrias que adotem materiais reciclados, financiamento para investigação em torno de tecnologias limpas e menos exigentes em matérias-primas e o fortalecimento de cadeias de abastecimento éticas e sustentáveis.
A transição energética é um imperativo, mas não deve ocorrer à custa da natureza, que é a nossa maior aliada na mitigação e adaptação às alterações climáticas. A decisão de Portugal de avançar com moratória à mineração em mar profundo envia uma mensagem clara: podemos e devemos procurar caminhos que conciliem descarbonização e conservação da natureza. O futuro depende disso mesmo.