“Aconselho os meus pares a serem muito mais criteriosos na entrada em concursos”, desafia António Roquette

“Vamos lá ver, não quero aqui fazer um ataque generalizado às marcas, porque as marcas fazem aquilo que nós permitimos que elas façam.” É por defender que as marcas fazem o que as agências aceitam que seja feito que António Roquette, reeleito no final de novembro presidente da Associação Portuguesa das Agências de Publicidade, Comunicação […]

Fev 7, 2025 - 08:16
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“Aconselho os meus pares a serem muito mais criteriosos na entrada em concursos”, desafia António Roquette

“Vamos lá ver, não quero aqui fazer um ataque generalizado às marcas, porque as marcas fazem aquilo que nós permitimos que elas façam.” É por defender que as marcas fazem o que as agências aceitam que seja feito que António Roquette, reeleito no final de novembro presidente da Associação Portuguesa das Agências de Publicidade, Comunicação e Marketing (APAP), aconselha os seus pares a serem “muito mais criteriosos na entrada nos concursos”, um tema polémico para agências, anunciantes e na relação entre ambos.

“Faz parte do direito e da liberdade de qualquer anunciante falar com dez agências se quiser. Agora, não precisa é de pedir dez propostas criativas”, aponta, sugerindo que nos concursos só se avance para as propostas criativas com fee de rejeição. “É verdade que o mercado continua, na esmagadora maioria, a não pagar fee de rejeição. Posso dar como experiência, e falo como empresário e como dono de uma agência, que condicionar e dizer ‘eu não entro sem fee de rejeição’ não é uma má estratégia”, assegura o sócio maioritário e CEO da Uzina.

A aproximação entre agências e marcas é uma prioridade que vem do mandato anterior, com a “juniorização” das equipas a constituir preocupação acrescida. “Para não termos 80% de invisibilidade [na publicidade], temos que ter equipas mais seniores, pelo menos nas partes mais estratégicas, a estar mais unidas e a falar mais”, aponta.

“Se não tivermos pessoas que têm maior capacidade de decisão a discutir connosco, vamos estar a fazer um fine tuning sobre um trabalho para depois chegar ali a um compromisso que é entre aquilo que achamos que é aprovável e aquilo que pode não perder muito impacto. Ora, isto não é forma de fazer bem o trabalho”, explica António Roquette.

A falta de estudos, por redução de custos, também não ajuda. “Não se pode viver com dados Google, gratuitos. Às vezes é mesmo preciso ir estudar, averiguar e consultar os consumidores, seja do ponto de vista dos quantitativos, seja dos qualitativos”, diz.

Os concursos, a necessidade de maior convergência entre agências criativas e de meios, a confiança e consistência na relação agência cliente, os receios provocados pela “ditadura do politicamente correto” sobretudo nas redes socais, o exagero na tentativa de associar a comunicação a causas, o efeito que as medidas de Donald Trump podem ou não ter na comunicação, a chegada dos Effie Awards a Portugal e o que considera ser um excesso de regulação na publicidade, por exemplo na banca, alguns dos temas abordados na entrevista, publicada integralmente em vídeo.

O principal objetivo neste segundo mandato é promover e potenciar o reconhecimento da criatividade e da inovação, como os fatores críticos para o sucesso das marcas e dos negócios. Como e porquê?

Este objetivo já vinha do mandato anterior — e por isso também renovamos agora para um segundo mandato, porque achamos que o primeiro não tinha alcançado os objetivos totais — sabíamos que isto era uma corrida de longo prazo, de aproximação das marcas junto das suas agências, como parceiros estratégicos.

Existe um sentimento generalizado das agências que representamos de algum distanciamento das equipas mais sénior das agências e, portanto, alguma degradação do valor na construção das marcas no processo criativo. Nós chamamos-lhe, sem ofensa para os marketeers, porque eles próprios também sofreram muito com as sucessivas crises e, portanto, com a dimensão das suas equipas, alguma juniorização nas relações entre as agências e os anunciantes.

O interlocutor nas marcas é cada vez mais júnior? Com menor poder de decisão?

A avaliação externa, e temos vindo a chamar as marcas para discutir essa temática connosco, é que há de facto um distanciamento do decisor final. Ou, pelo menos, dos decisores mais seniores. Quando falo dos decisores mais seniores, estamos a falar do administrador do pelouro ou do próprio presidente da empresa, ou CEO da empresa, e o seu diretor de marketing.

Quando a cadeia começa a baixar muito, o normal é que as equipas mais juniores têm menos experiência e, portanto, quando passam a ser o interlocutor com as agências, nas próprias agências, provavelmente, os interlocutores também começam a ser relativamente mais juniores, há dificuldade de fazer melhor trabalho e trabalho mais estratégico e mais assertivo junto das marcas. Acho que o mercado sente e vê isso e os números dizem-no. Não é uma tendência portuguesa, é uma tendência mundial, com as sucessivas crises. No ano passado, na parceria que temos com o Clube da Criatividade de Portugal, falámos sobre o custo de invisibilidade e até trouxemos um conjunto de números do que representava.

A verdade é que nós vemos, quer nas direções marketing, quer nas agências, uma diminuição de valor substancial. Isto tem correlação com o que se paga

80 a 90%, a taxa de invisibilidade, avançaram.

Estamos a falar de biliões de dólares ou euros de investimento que é feito e que depois não é visto.

Porque é que a vossa opinião acontece essa juniorização do interlocutor? É por darem pouca importância aos temas do marketing e publicidade?

Não. Porque a pressão financeira sobre as vendas, e também a mudança na forma como se comunica, como se chega ao consumidor, mudou muito e mudou muito rápido. E o que aconteceu foi que com a pressão financeira junto das marcas, com as sucessivas crises — estamos em crises desde 2011, não tarda há 20 anos que saímos de uma, entramos noutra — a comunicação é normalmente a alínea mais fácil para fazer cortes imediatos.

Aconteceu de forma drástica na Covid-19, por exemplo, mas depois também recuperou muito depressa.

Recuperou bastante mais rápido do que nas outras crises. E como as estruturas já estavam tão enxutas, também era difícil encurtá-las mais. Mas a verdade é que nós vemos, quer nas direções marketing, quer nas agências, uma diminuição de valor substancial. Isto tem correlação com o que se paga. O que ganhavam os diretores de marketing e os PM (product marketing manager) e o que ganham hoje? O que ganhavam os accounts e os criativos há 20 anos e o que ganham hoje? Há uma deterioração grande de valor, que depois estabilizou, e que eu espero que venha a recuperar. Mas para nós, a maior preocupação, é que mesmo neste enquadramento — que é um enquadramento financeiro diferente do que foi há 20 anos e não vale a pena chorar com o passado — é que para não termos 80% de invisibilidade, temos que ter equipas mais seniores, pelo menos nas partes mais estratégicas, a estar mais unidas e a falar mais.

António Roquette, presidente da APAP e CEO da Uzina, em entrevista ao ECO/+MHugo Amaral/ECO

Esta invisibilidade resulta de quê, ao certo?

Resulta muito de os processos passarem em muitas mãos. Quando o processo começa por uma juniorização… a preocupação de uma pessoa mais júnior, muitas vezes, não é o impacto que aquilo vai ter. Depois há profissionais que são de excelência, mas a maioria das pessoas, pessoas qualificadas, na fase de aprendizagem têm duas preocupações: a sua promoção interna, o seu crescimento interno, e saber o que é que o seu chefe vai gostar e vai querer — e tentar pôr-se na cabeça do seu chefe. E, às vezes, há menor preocupação com o impacto que isto vai ter no meu público alvo. Faz parte da condição humana, nós somos assim, é assim que funciona.

Portanto, se não tivermos pessoas que têm maior capacidade de decisão a discutir connosco, vamos estar a fazer um fine tuning sobre um trabalho, para depois chegar ali a um compromisso que é entre aquilo que achamos que é aprovável e aquilo que pode não perder muito impacto. Ora, isto não é forma de fazer bem o trabalho e depois dá estes resultados de 80 a 90% de invisibilidade. Volto a dizer, não estou a falar do mercado português, estou a falar do mercado mundial, isto acontece na esmagadora maioria dos países do mundo.

Se não tivermos pessoas que têm maior capacidade de decisão a discutir connosco, vamos estar a fazer um fine tuning sobre um trabalho, para depois chegar ali a um compromisso que é entre aquilo que achamos que é aprovável e aquilo que pode não perder muito impacto. Ora, isto não é forma de fazer bem o trabalho.

Gera as tais campanhas ómega, que não adiantam nem atrasam.

Exatamente, não fazem mexer o ponteiro. No Brasil, por exemplo, não aconteceu, temos as agências de meios junto com as agências de publicidade, o negócio nunca foi separado, e não houve uma deterioração tão grande do valor da remuneração em criatividade, por isso é que o Brasil continuou a ser um poço de criatividade. Agora começa-se a ver, especialmente nas grandes multinacionais, outra vez esta convergência das agências de meios junto das agências de publicidade e os grupos voltarem a estar juntos. E temos assistido a um conjunto de fusões de marcas, têm desaparecido um conjunto enorme de marcas para haver maior concentração, porque se acredita e se sabe que no sistema de remuneração para onde estávamos a encaminhar, o negócio era muito pouco viável.

O mercado criativo, com a proliferação de meios e de formas diferentes de chegar ao consumidor, começou, e está certo, a pensar primeiro na ideia, depois nos meios. Ora, se nós não trabalharmos em conjunto, como é que se faz isto?

O que faz sentido, em vossa opinião, APAP, é as agências juntas? Meios e criatividade?

Para mim, António, posso-lhe dizer…

António, dono da Uzina, uma agência criativa independente.

Sim, sou dono de uma agência criativa, mas comecei a minha carreira no grupo WPP, na Thompson, ainda tínhamos as agências juntas, e eu julgo que o trabalho, o output final, quando trabalhado em conjunto, era melhor.

Quando se separou, passou a haver um distanciamento e as próprias marcas passaram a ter dois fornecedores, o fornecedor de meios e o fornecedor criativo, muitas vezes sem uma ligação. Há marcas, é verdade, e eu trabalho muitas que funcionam assim, que nos reúnem na estratégia anual e às vezes até semestralmente.

Enquanto Uzina, por exemplo, já não trabalhamos para um filme de televisão, trabalhamos para uma ideia, antes dos meios. E hoje em dia, é assim que as coisas estão a funcionar, por isso é que muitas vezes vemos grandes campanhas a ser altamente premiadas e nem sequer tiveram um filme de televisão, tiveram foi uma grande ideia, com grande impacto.

O mercado criativo, com a proliferação de meios e de formas diferentes de chegar ao consumidor, começou, e está certo, a pensar primeiro na ideia, depois nos meios. Ora, se nós não trabalharmos em conjunto, como é que se faz isto? Porque eu tenho um cliente a passar um briefing a dizer que precisa fazer uma campanha que pressupõe que seja multimeios e depois dou um briefing para resolver um determinado problema da minha marca e uma agência criativa, que lhe diz que não deviam fazer uma campanha multimeios.

Ou já estão a priori condicionados.

Claro, estamos condicionados pelos meios. O modelo está a mudar muito e estou convencido que, uma das razões pelas quais as multinacionais começam a convergir, é exatamente porque o modelo tem que voltar a ser muito mais partilhado entre as entidades que criam o final para a marca.

António Roquette, presidente da APAP e CEO da Uzina, em entrevista ao ECO/+MHugo Amaral/ECO

No painel sobre o custo da invisibilidade, que moderou no Festival CCP, uma das perguntas, que fez precisamente a uma agência de meios — a Alberto Rui Pereira, CEO do grupo IPG MEdiabrands — é se a criatividade pode reduzir o investimento em meios. Ou seja, apostando mais em criatividade, é possível reduzir o investimento em meios?

Temos assistido a algumas campanhas que têm esse impacto. Se eu conseguir criar uma boa campanha, que diz qualquer coisa às pessoas e que toca em verdades que são verdades das pessoas, com que elas se identificam, tenho um recall muito maior e, portanto, se calhar não preciso de ter tantos GRP para que a minha mensagem passe, porque ela foi inovadora, foi diferenciada e tocou nas pessoas.

Se nós conseguimos fazer bem esse trabalho, se calhar em vez de fazerem três campanhas por ano, as marcas podem fazer seis meses. É um bocadinho difícil de acontecer na plenitude, mas esse é o trabalho que as agências e as marcas devem tentar fazer. Por isso é que nós dizemos que é muito importante que as equipas mais seniores estejam muito mais envolvidas, quer do lado das agências quer do lado das marcas, no conceito estratégico de comunicação para a marca.

E há dúvidas, mais ou menos fundamentadas, sobre o impacto da criatividade, da publicidade, da comunicação, no negócio?

Depende.

No negócio e na construção da marca, que depois leva a negócio.

Na distribuição é mais fácil medir. Cada vez temos menos campanhas de marca, é verdade, mas temos muitas campanhas de produtos. E essas campanhas têm objetivos claros e definidos, preciso de subir 5% as vendas deste produto, ou neste segmento, ou preciso de criar uma atração por um conjunto de produtos que as pessoas não nos reconhecem como produtores ou distribuidores desses produtos. Essas campanhas depois têm uma correlação direta, se consegui atingir o objetivo que foi definido nas vendas, ou não. São auditáveis, medíveis e depois são os KPI formados e às vezes até servem também como sistema de remuneração, se conseguimos atingir esses objetivos ou não.

É menos medível, mas também é medível e as grandes marcas fazem-no, a relevância da marca junto dos consumidores. E isso tem mais a ver com se é uma marca com que me identifico, a marca que quero ter. Porque é que em dois produtos que são muito similares, eu escolho a marca A ou a B? Isso é construção de marca, um trabalho fundamental.

As marcas continuam a não ter agências criativas dentro das suas próprias marcas, procuram fora. E procuram fora por alguma razão, não é só para externalizar custos, é porque têm ideias frescas, estão menos presas, estão mais livres e por isso é que o negócio faz sentido desta forma.

Que tem sido deixado de parte?

Por vezes está distante, também é uma conversa que temos vindo a ter junto das marcas. Sempre que vamos para o ar com qualquer campanha, seja para criar vendas, seja para criar goodwill para a marca, temos estar sempre a trabalhar a marca. Mesmo quando eu trabalho produtos, se eu deixar de ter o cuidado, só tiver preocupado com o CTA (call-to-action), aquela marca pode estar a falar e nem a identifico.

E na prática é viável e acontece?

Acontece. Mas aí volto a dizer que a qualificação das próprias marcas e das equipas é fundamental para esse trabalho ser bem feito. Por isso, a nossa preocupação muito grande de prestigiar aquilo que é o nosso trabalho, prestigiar aquilo que são as direções de marketing e haver uma maior aproximação outra vez de dois parceiros estratégicos que continuam a ser outsourcing.

As marcas continuam a não ter agências criativas dentro das suas próprias marcas, procuram fora. E procuram fora por alguma razão, não é só para externalizar custos, é porque têm ideias frescas, estão menos presas, estão mais livres e por isso é que o negócio faz sentido desta forma.

António Roquette, presidente da APAP e CEO da Uzina, em entrevista ao ECO/+MHugo Amaral/ECO

As métricas são outro tema. O investimento em estudos e a forma como as campanhas são avaliadas…

Falou do Alberto Rui, ele referiu, e é mais especialista desta área do que eu, outro fator que até é estranho para nós, mercado, e deveria ser estranho para as marcas, é que há muito menos medição, porque o custo de investimento nas métricas também é alto. Quando temos um objetivo de subir 5% das vendas de determinado produto, é fácil, vendeu ou não vendeu. Com todas as outras métricas que nos obrigam a ir falar com o consumidor, e perceber qual é o seu estado de alma, há custos e, portanto, há uma diminuição muito grande no investimento em métricas e, logo, mais desconhecimento sobre qual é o verdadeiro impacto que a comunicação está a ter. [As vendas] vão estando estáveis, a métrica é mais ‘não se vê uma queda no consumo da minha marca’ ou ‘não se vê uma queda no consumo dos meus produtos’. E depois, quando há uma queda, a coisa começa a assustar e talvez aí vão medir.

Ou seja, numa altura em que há mais dados do que nunca, e que em teoria se conhece melhor o consumidor do que alguma vez…

Só que não se pode viver com dados Google, gratuitos. Às vezes é mesmo preciso ir estudar, averiguar e consultar os consumidores, seja do ponto de vista dos quantitativos, seja dos qualitativos.

A forma como são promovidos os concursos para escolha das agências é um tema crítico. Há uns anos, quase há dez anos, tentaram fazer um guia de boas práticas em conjunto com a Associação Portuguesa Anunciantes, o que acabou por ser por ser descontinuado por ter sido considerado que infringia a Lei da Concorrência.

Ficou suspenso por uma ação colocada pela Autoridade da Concorrência (AdC).

Que vos condenou em 2020 a uma multa de quase quatro milhões de euros.

Quase quatro milhões de euros, com uma coisa inédita, que é responsáveis solidários. Ou seja, membros de uma direção, que estão ali, como sabem pro bono, a tentar fazer alguma coisa pela indústria, fizeram um guia que existe em vários países e que nem sequer era vinculativo. É muito estranho, aquele processo. Não posso falar muito sobre ele, porque o processo não está fechado. Posso apenas dizer que, que eu saiba, não existe jurisprudência e seria o fim do associativismo em Portugal quando através de um processo se cria responsáveis solidários [todos os membros da direção].

Nós temos um conjunto de credenciais, estamos no mercado, trabalhamos para marcas, e temos um conjunto de credenciais que nos definem como agência, como perfil de agência, percebe-se o trabalho que estamos a fazer. E as marcas, que também são qualificadas, conhecem o mercado. Se forem minimamente atentos, percebem quais são as agências que estão a fazer o trabalho com que eles se identificam mais para a sua marca.

O guia aconselhava a que as consultas tivessem só três agências, mais a incumbente.

Faz parte do direito e da liberdade de qualquer anunciante falar com 10 agências se quiser. Agora, não precisa é de pedir dez propostas criativas. Porque, se imaginarmos o que é o custo hora para as agências, do investimento em estratégia, em criatividade, implica milhares de euros de investimento. Ora, ir com 10 agências, nem percebo como é que o processo faça muito sentido.

O guia das boas práticas, que eu devo dizer que é uma coisa que pratico enquanto agência… Nós temos um conjunto de credenciais, estamos no mercado, trabalhamos para marcas, e temos um conjunto de credenciais que nos definem como agência, como perfil de agência, percebe-se o trabalho que estamos a fazer.

E as marcas, que também são qualificadas, conhecem o mercado. Se forem minimamente atentos, percebem quais são as agências que estão a fazer o trabalho com que eles se identificam mais para a sua marca, ou até gostam do trabalho mas não se identificam e acham que é uma agência que não tem esse perfil, e podem pedir credenciais.

Outro dos fatores para tomada de decisão sobre a escolha de uma agência é preço. Através de um scope, podem pedir uma análise do preço. Já viram as credenciais, fazem uma shortlist. Convidam 10 agências a apresentar credenciais, escolhem cinco, seis ou sete para apresentar preço, depois faz uma shortlist de três daquelas que acha que são competitivas, encaixam-se no orçamento, têm credenciais que acham que estão bem definidas, e depois então fazem um pedido de proposta criativa. Isto é mais ou menos razoável.

Eu até sou da opinião, agora já como empresário, que nós não deveríamos ir para a criatividade. Em algumas empresas, percebo que seja preciso uma proposta criativa, mas não sem fee de rejeição. Coisa que eu já tenho vindo a praticar e que tento sensibilizar também os meus pares.

Vamos lá ver, não quero aqui fazer um ataque generalizado às marcas, porque as marcas fazem aquilo que nós permitimos que elas façam.

Já consegue praticar?

Nós, enquanto agência, vamos a concurso, mas vamos a muito menos e com entrega de criatividade com um fee de rejeição. E eu acho que o mercado devia encaminhar para isso, porque é uma das formas também de sensibilizar a outra parte de que aquele custo não pode ser uma forma de onerar. Porque, se eu tiver três agências, há 75% de investimento feito por três agências, que não é minimamente remunerado. O fee de rejeição é um contributo para não ser uma perda tão grande.

O fee de rejeição ronda que valor?

Já fiz fees de rejeição em que me tinham que pagar 50% do fee para o projeto, mas pode andar entre os dois e os sete mil euros. Mas é verdade que o mercado continua, na esmagadora maioria, a não pagar fee de rejeição. Posso dar como experiência, e falo como empresário e como dono de uma agência, que condicionar e dizer “eu não entro sem fee de rejeição”, não é uma má estratégia.

Não é uma má estratégia.

Se estivermos cientes de que fazemos um bom trabalho mundo e estamos qualificados, é uma forma das próprias empresas mostrarem que são qualificadas e, portanto, que não estão disponíveis para apresentar um trabalho… Em arquitetura também acontece isto em Portugal e nos outros países não acontece. Já viu o que é um arquiteto fazer um projeto de uma casa e não ser remunerado?

Eu aconselho os meus pares a serem muito mais criteriosos na entrada nos concursos e na forma como se faz. Vamos lá ver, não quero aqui fazer um ataque generalizado às marcas, porque as marcas fazem aquilo que nós permitimos que elas façam.

Também por experiência, noutras alturas da minha vida publicitária, normalmente entre agosto e setembro, assisti a muitos concursos — não eram concursos para ganhar contas, mas eram concursos para ganhar um portfólio de ações — de marcas muito prestigiadas e depois percebia-se que aquilo era um manancial de procura de ideias para se apresentar lá fora a direções de marketing.

Sem custo.

Se pensarmos que é possível isto acontecer, estamos a ver como alimentamos também direções de marketing de multinacionais grandes e com competência, com ideias que deviam ser construídas por elas próprios e depois com os seus parceiros remunerados.

E ainda acontece muito ou hoje ainda acontece?

Não tanto, acho que às vezes ainda exista alguma tentativa. As agências de menor dimensão sofrem mais com esse problema, eu também sofri noutras alturas da minha agência. Agora, imagino que grande parte das agências mais pequenas continuam a ser alvo desta prática má, muito má.

Eu não sou criativo, mas trabalho com muitos criativos, e ser criativo é uma profissão tramada. São pessoas com alguma arte, ou para a escrita ou para o design, mas com uma grande pressão sobre as vendas. E todos os dias com o papel em branco.

À segunda-feira publicamos uma secção, Primeira Pessoa, que termina com um questionário de 10 perguntas a um diretor de marketing. Invertendo os papéis, vou pedir que responda a algumas. Em publicidade, é mais importante jogar pelo seguro ou arriscar?

Arriscar, claramente. Ao jogar pelo seguro, vamos falar daquilo que já sabemos que as pessoas querem ouvir. E nós temos que falar daquilo que as pessoas querem ouvir, mas de uma forma que não estavam à espera. É assim que deixamos de ser invisíveis e passamos a ser visíveis.

E a publicidade em Portugal, numa frase?

Está bem, mas eu não vou dizer a segunda parte, que é “e recomenda-se”. Acho que há muita coisa a fazer para chegarmos à segunda fase, de recomenda-se.

A agência ideal é aquela que?

É aquela que atinge os KPI, na verdade. Eu não sou criativo, mas trabalho com muitos criativos, e ser criativo é uma profissão tramada. São pessoas com alguma arte, ou para a escrita ou para o design, mas com uma grande pressão sobre as vendas. E todos os dias com o papel em branco. É um processo bastante complicado, mas nós não podemos esquecer que estamos a trabalhar para um objetivo, que é melhorar a imagem de uma determinada marca ou vender um determinado produto. Temos que ser muito criativos para fazer esse trabalho e uma agência criativa tem que atingir os objetivos, que são aumentei a relevância da minha marca junto dos meus consumidores, vendi os meus produtos e tenho o reconhecimento, que me defini enquanto propósito para ter, junto dos meus consumidores. Se fizermos esse trabalho, estamos a fazer bem o nosso trabalho.

O cliente ideal é aquele que…?

É aquele que arrisca e que trabalha em conjunto connosco. Eu acredito mesmo que a relação entre uma agência e uma marca é uma relação de parceria estratégica. Nós trabalhamos como muitos dados confidenciais, o grau de confiança que se cria e que se estabelece, e os desafios que se estabelecem em conjunto, são fundamentais para fazer um bom trabalho.

Os clientes, quando escolhem uma agência, devem escolher exatamente com este pensamento: eu vou trabalhar com aquela gente — por isso é que acho que os workshops e a química são fundamentais — e por isso, quando escolhem uma agência, têm que ir de peito aberto. E o mesmo com as agências. Têm que ir com a humildade suficiente para perceber que quem conhece o negócio são os clientes, nunca os vamos conhecer com a mesma profundidade, porque não vivemos 24 horas aqueles problemas, e ter uma vontade enorme de aspirar tudo o que é informação.

A entrevista completa, com estes e vários outros temas e respostas mais desenvolvidas, pode ser vista aqui: