Mario Caldato, o produtor brasileiro que trabalhou com Beastie Boys e Marcelo D2
O encontro entre Marcelo D2 e Mário Caldato Jr foi um daqueles momentos capazes de mudar uma vida inteira. Os caminhos dos artistas se cruzaram em 1996, quando o produtor e engenheiro de som acompanhava os Beasties Boys na turnê mundial, que passou pela América Latina – Brasil, Chile e Argentina. No Rio de Janeiro, […] The post Mario Caldato, o produtor brasileiro que trabalhou com Beastie Boys e Marcelo D2 appeared first on NOIZE | Música do site à revista.
O encontro entre Marcelo D2 e Mário Caldato Jr foi um daqueles momentos capazes de mudar uma vida inteira. Os caminhos dos artistas se cruzaram em 1996, quando o produtor e engenheiro de som acompanhava os Beasties Boys na turnê mundial, que passou pela América Latina – Brasil, Chile e Argentina. No Rio de Janeiro, o show estava marcado em um lugar grande, mas não vendeu o número de ingressos necessários, então o evento mudou para um menor, algo recorrente no país.
A abertura da noite era responsabilidade do Planet Hemp, banda que havia lançado o clássico Usuário, apenas um ano antes, e despontava no cenário nacional. Fãs dos Beasties desde o final dos anos 1980, e assim como o trio americano, o grupo brasileiro misturava rap com rock, se tornando a escolha certeira para participar do evento. “Quando cheguei lá, encontrei Marcelo com o Zegon e começamos a conversar”, diz Mário sobre o primeiro contato da relação, que posteriormente resultaria em dois discos com o Planet Hemp e nos oito solos do rapper carioca.
A amizade logo se tornou família: “Fui conhecer a banda, percebi que eles misturavam que nem os Beasties faziam, achei interessante e aceitei a proposta. Fiquei um mês no Rio para gravar o segundo do Planet (Os Cães Ladram Mas a Caravana Não Pára, 1997), eles me mostraram tudo, o lugar que ensaiavam, Santa Teresa…”. Na época, o produtor paulistano não visitava o Brasil há 25 anos, e lembra que seu português estava enferrujado mas não demorou muito para se acostumar com o novo cenário.
O processo de Assim tocam os MEUS TAMBORES (2020) aconteceu pela primeira vez a distância. No passado, os discos do Marcelo começam no Rio e são finalizados na casa-estúdio do Mário em Los Angeles. O espaço conta com uma coleção extensa de equipamentos, prateleiras recheadas de instrumentos musicais, e acomoda 12 mil discos de vinil. Ou seja, tudo o que pode ser necessário na hora de registrar as possíveis ideias que surgem no processo criativo de um álbum. “Obviamente, gosto de estar junto do cara, de abraçar e ter essa unidade quando se faz música”, conta.
A tecnologia chegou para facilitar processos e encurtar as distâncias – conectados online, Marcelo e Mário conversaram sobre os aspectos das faixas ao vivo, de como gravar até a mixagem. Para o engenheiro de som, o sentimento vem acima de tudo: “Claro que é bom entender as coisas, mas quando você é muito técnico, pode acabar perdendo o feeling das coisas, o foco do que está a acontecendo e a raiz da música, que é o mais importante”. As trocas de ideia foram inspiradoras para os fãs do chat, que tiveram acesso a verdadeiras aulas sobre home studios, capazes de desmistificar processos inteiros.
Mesmo sem se falarem muito, a dupla criativa encontra pontos em comum e seus mundos se completam. “Quando a gente se conheceu, vivia um momento grande no Planet Hemp, então se não fosse essa parceria, eu não teria caminhado para o lugar que estou hoje. O Mário é um cara que faz música boa e simples, ensinou que não preciso de microfones milionários ou de estúdios modernos para fazer algo bom”, reflete D2. A sintonia deles é visível, como pontua Luiza Machado, esposa do rapper e co-diretora do projeto: “Ele lê o Marcelo muito bem, é impressionante, acho muito legal ver a relação dos dois porque é bom trabalhar com quem te entende”.
Encontros musicais
Trabalhando com som há mais de três décadas, Mário soma uma lista extensa de créditos em faixas de nomes variados, com uma frequência equilibrada entre gringos – Beck, Moby, Blur, Jack Johson – e brasileiros – Marisa Monte, Chico Science e Nação Zumbi, Seu Jorge, Bebel Gilberto. Aparece como músico, e também no arranjo, produção, composição, engenharia de som, mixagem, masterização, entre mais uma porção de coisas essenciais na concepção de um disco. A partir de uma inclinação natural, se descobriu mestre na arte da gravação, lugar conquistado após muitas horas arrumando a bagunça do estúdio e aprimorando as experimentações sonoras. O primeiro Grammy veio pela co-produção ao lado de Marisa Monte no disco Universo ao Meu Redor (2006), momento que também marca o seu primeiro grande mergulho no samba.
“Eu tenho a oportunidade de poder escolher trabalhar com coisas que eu realmente quero fazer”, diz Mário, que costuma se dividir em uma média de três a quatro artistas por vez. Após finalizar ATOMT, vai se debruçar no pop moderno com pitadas de trap da cantora carioca Malía, “um desafio” segundo o produtor, pois é algo que, surpreendentemente, ainda não fez. Outro processo inédito foi realizar o novo do Seu Jorge, que entre idas e vindas, está sendo realizado há dez anos, e conta com o som rico dos arranjos de orquestras. “Tem uma sonoridade linda, anos 1970 de Milton Nascimento mas diferente, é fabuloso, cinemático, parece filme”, diz sobre as faixas lentamente lapidadas ao longo dos anos.
Mais interessado em trocas verdadeiras do que passageiras, o engenheiro de som costuma manter parcerias longas. Antes de retomar a conexão com o Brasil, país que deixou aos dois anos para morar em Los Angeles, vivia um relacionamento duradouro e prolífico com os Beasties Boys desde Paul’s Boutique (1989), onde colaborou como engenheiro de som.
“O primeiro a chegar e o último a sair, mas eu amava o meu trabalho e foi uma experiência que nunca mais vai se repetir. Ficamos dois anos e meio todos os dias tocando, brincando, andando de skate, jogando basquete…”, lembra sobre a época de Check Your Head (1992). O que acontecia na época: o trio formado por Adam Yauch (MCA), Miki Diamond (Mike D) e Adam Horovitz (Ad-Rock) trocou Nova York por Los Angeles após uma situação com a antiga gravadora, a Def Jam, que não repassava a grana do primeiro álbum, Licensed to Ill (1986).
Na Costa Oeste, assinaram com a Capitol Records que bancou os discos seguintes – Paul’s Boutique (1989), Check Your Head (1992), Ill Communication (1994) e Hello Nasty (1998). Se você reparar, no documentário do Spike Jonze, Beastie Boys Story (2020), o Mário está em quase todas as fotos do grupo durante os dez anos em que viveram na cidade. O quarto Beastie também também está presente em versos, como no caso de “Mario C likes to keep it clean”, na música “Intergalactic”.
Fase teste
O período com o trio foi o momento de colocar em prática o que havia experimentado na década anterior com as próprias bandas e também usar as lições acumuladas como engenheiro de som do selo Delicious Vinyl. O celebrado grupo chegou até Mário por meio do DJ Matt Dike, que ao lado do também DJ Michael Ross, tocava a label independente desde 1987 e também já era parceiro dos Dust Brothers. Na virada da década, a gravadora indie vendeu milhares de discos produzindo dois artistas locais: Tone Loc e Young MC – escute “Wild Thing”e “Bust a Move”, respectivamente.
“A gente fez música no apartamento, bem caseiro, o cara gravou no guarda-roupa com o microfone, mas a ideia era boa. A gente cozinhou bem, enviamos para a MTV, bombou e começou o jogo”, diz Mário sobre o início da Delicious. Matt e o brasileiro se conheceram em uma boate, na fatídica noite em que o DJ se apresentava e o sistema de som deu problema. O jeito foi falar com os donos, que perguntaram se ele saberia arrumar, a conversa rolou legal e ele começou a trabalhar na semana seguinte.
Aos poucos, criaram amizade, que logo se tornaria parceria de trabalho: “Montei o sistema de som e o DJ ficou impressionado. Fui elogiado e fiquei amigo do cara”. O próximo passo foi pedir para Mário fazer uma gravação dele e montar um estúdio com cinco mil dólares. Um equipamento específico que ele queria era um sampler, que tinha visto em uma revista, que possibilita gravar trechos dos discos e cortar as faixas. O amigo possuía uma coleção imensa de LPs, “uns 50 mil”, então ele sampleava as partes que sabia que as pessoas dançavam para compor o set.
A afinidade com os home studios vem da adolescência, quando começou a ter bandas e a acumular equipamentos. Ao lado do amigo Mark Nishita (Money Mark), atravessaram o Ensino Médio juntos e se tornaram parceiros musicais de longa data. O músico, responsável por incrementar os teclados das faixas dos Beastie Boys, também introduziu Mário ao mundo das gravações em casa. “Tenho uns quatro rolos de fitas dessa época, acabei de transferir, são o nosso começo. O Mark me ensinou a gravar, ajustar o microfone, volume, entender distâncias, ter cuidado e atenção com os efeitos, o agudo, o grave”, diz Mário. Tocaram juntos dos 15 até os 19 anos, chegaram a lançar um vinil com composições autorais, tocaram em clubes mas acabaram esfriando o projeto. Ao mesmo tempo em que reconhece o peso da experiência, não teria uma banda hoje em dia: “Não é minha praia, acho legal mas prefiro fazer o som. Quem sabe minhas filhas vão fazer uma”.
Sentimento acima de tudo
O primeiro contato do produtor brasileiro com a música foi por meio de um órgão elétrico, comprado pelo pai na loja de departamento Sears e que vinha acompanhado de aulas de piano. Paralelamente, se sentia inspirado pela música que tocava na televisão e no rádio. “Los Angeles era a Meca de tudo. Eu ouvia o que estava na minha área, mistura de latinos, black, de tudo”, conta.
Viveu várias fases: Beatles, Rolling Stones, Al Green, Motown, Bob Marley, The Clash, Elvis Costello, entre muitos outros grandes nomes. O parceiro Nishita era especialmente fã de Elton John e Billy Joel. Foi assim que fundou sua percepção musical nada restrita, que pode pular dos beats para as guitarras sem perder a coerência. Para Mário, não há nada que poderia ser descartado, o papel do produtor é auxiliar o artista no caminho até a ideia que imagina para a música: “Tudo cai no gosto das pessoas, precisa ter respeito pelo outro. Tento focar nas coisas que acho melhor e menos em outras”.
A grande questão dessa troca existe em discutir pontos de vista, mas também tem a ver com o quanto o outro lado está aberto a aceitar essa colaboração. Em especial o estilo do Mário não tem tanto a ver com a perfeição, mas sim em aceitar os processos que acontecem ao longo do caminho. “Venho de uma geração que ouvia música sem máquinas, uma coisa mais tocada, então não fico incomodado se alguém cantar um pouquinho desafinado, fora do tempo, dá uma magia que você sabe que não é o mesmo sempre. Um pouco de imperfeição é o natural para o meu ouvido. Tem um valor que acho que está sendo perdido quando todo mundo copia e corta”, reflete.
Não pense que o produtor não reconhece os benefícios dos avanços tecnológicos. Lembra de ficar horas cortando samples na mão, depois precisava colocar no tempo e afinar, hoje precisa apenas de um botão para fazer tudo isso. Assume que os computadores ajudam na produção de projetos mais eletrônicos, como rap e dance music, mas também continua trabalhando no analógico quando pode e mantém um sistema de fita no estúdio. Afinal, tudo é válido no processo criativo: “São caminhos diferentes para chegar em algo que tenha valor, uma mensagem, um feeling, alguma coisa para ouvir e sentir”.
O mais importante é sempre a música, independente do caminho percorrido, o foco deve ser a criação. “Vou fazer isso nesse disco, um rap, rock, uma outra maluquice, se concentra e vai nisso”, comenta sobre a fase inicial de um disco. No final de contas, o único jeito de saber é fazendo, se é bom ou ruim você não vai saber até fazer. Da primeira faísca até o álbum pronto, Mário garante que gosta de todos os momentos, consegue dizer com rapidez quantas etapas são necessárias para alcançar o produto final.
Outro fator importante para ser levado nas decisões é o tempo: “Quando você tem muito dá para experimentar, brincar, viajar… Quando temos o hoje também é bacana, tudo é criativo”. Depois de delimitar o que vai para a sopa, você começa a cozinhar os sons, se são sujos, limpos ou que tipos efeitos usar. “You know, vai ficando interessante ver como a coisa começa a crescer”, diz com animação. Com todos os ingredientes, começa a pensar a mixagem, para entender o que realmente vai para o prato principal e em como usar esses elementos.
“Tem muitos momentos para brincar e mexer, não só com o arranjo, você pode decidir como a música vai se estruturar, se começa com o refrão, verso, intro ou uma fala da televisão ou uma coisa engraçada”, pontua alguns recursos que usa para criar a história do registro. Depois das faixas fechadas, pensa na sequência, em como montar essa narrativa, qual música vai levantar, abaixar ou dar uma viajada. Tudo depende da proposta: “Hoje em dia no computador você pode pegar uma música e mixar mil vezes, cada uma vai sair de um jeito diferente, então há muitas possibilidades”. O essencial deve ser sempre a busca pelo feeling que só a música proporciona.
Esta matéria foi publicada originalmente na edição 104 da revista NOIZE, lançada com o vinil de Assim Tocam os MEUS TAMBORES, de Marcelo D2, em 2020.
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