Arte de Lucia Koch Convida à Descoberta

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Todos os anos, os irlandeses comemoram William Butler Yeats (1865-1939) na data de nascimento do poeta. Ter um dia nacional dedicado a um poeta que, claro, é um artista, é admirável. Só mesmo os irlandeses… Um dos poemas de W.B. Yeats, “The Fascination of What’s Difficult” (1912), teve o título traduzido por nosso poeta construtivo maior, o nonagenário Augusto de Campos, como “O Prazer do Difícil”, um tremendo desafio. Não sou nenhuma expert em Yeats, mas o título me chamou a atenção, me levando a pensar na obra da artista conceitual multimídia Lucia Koch que faz sua primeira individual em Nova York, batizada em inglês, “People and Natural Numbers”, em nossa galeria no Chelsea.

No texto de Mark Lee para a exposição de Koch, o arquiteto americano assinala: “A relação recíproca entre a obra de arte e o espaço ao redor, seja ele imediato ou distante, acidental ou projetado, sempre foi uma constante no trabalho de Koch. Conhecida por utilizar elementos arquitetônicos como janelas, cortinas, papéis de parede, telas ou outdoors para alterar os ambientes, a artista cria intervenções que convidam à descoberta, à participação e à interação”.

A pesquisa da artista é, realmente, fascinante mas mas carece explicá-la para ser apreciada em sua plenitude poética. Hoje, escreverei apenas sobre a série, Numbers, presente entre os 14 trabalhos na mostra desse grande nome da arte conceitual latino-americana contemporânea.

Desenvolvida ao longo de 2024, Numbers, é o seguimento da série anterior, Fundos, que vem a ser um work-in-progress (trabalho contínuo) da artista gaúcha. A temática principal que amarra ambas as séries é a discussão sobre espaço/espacialidade apoiada na pesquisa da luz.

Flavio Freire/Cortesia Galeria Nara Roesler

Lucia Koch, A Esposa (La Fidele) 2019-2023, metal e acrílico, 1 PA, 190 x 80 x 124 cm

Como nada é tão simples quanto aparenta quando se trata do olhar de Lucia Koch, mergulhemos em sua – genial – pesquisa que ludibria/brinca com a percepção do observador. Em Numbers, os espaços arquitetônicos vazios que enfatizam a perspectiva com a ajuda da luz, na verdade, são pura ilusão de ótica, eu iria mais além, são uma ilusão teatral.

A artista fotografa fundos e interiores de embalagens e caixas comuns vazias, do dia-a-dia, por exemplo tetra pak de envase de produtos como leite, em seguida, amplia as imagens em dimensões de grandes formatos que se transformam, através de seu profundo entendimento de espaço + luz, em trompe-l’oeils (do francês, “engana olho”) magnificados, que driblam a visão do observador. Manipulado por esse calculado ilusionismo, o observador se sente diante de espaços arquitetônicos enormes, iluminados por luz natural. Mas tudo não passa de cenários diminutos criados pela manipulação da perspectiva com ajuda da luz, ampliados em fotografias de grande dimensão. Uma grande sacada de grande efeito visual!

Lucia Koch

Lucia Koch, Systeme, autoretrato, 2022

Koch levou o mesmo conceito à fachada de vidro de nossa galeria na rua 21 cobrindo toda a vitrine com a obra Alentejano (2025), um gigantesco painel da mesma série impresso em pigmento sobre papel algodão perfazendo três metros de altura por nove de comprimento. A obra simula um amplo espaço arquitetônico, mais largo que profundo, com seis arcos suspensos. Aquele “recinto” misterioso e vazio de Alentejano, traz à mente os espaços arquitetônicos retratados nas primeiras pinturas e afrescos do início do Renascimento italiano.

É o período em que os artistas de vanguarda do século 15 (como Brunelleschi, Alberti, da Vinci com a camera obscura, etc.) passam a pesquisar a perspectiva retratando-a na superfície plana, técnica que exigia estudos matemáticos não dominados pelos mestres do período anterior (Giotto, Cimabue, Duccio, etc.), a Idade Média, e rendeu um enorme salto para as artes visuais. Com seu complexo jogo conceitual, Koch reinscreve a perspectiva arquitetônica na História da Arte contemporânea burlando a percepção com a dimensão, a iluminação, a câmera fotográfica e materiais banais. O crítico e curador Moacir dos Anjos disse uma vez que sua arte “reorganiza a compreensão visual de espaços (…) e estabelece (…) desconcertante efeito”.

Charles Roussell/Cortesia GNR NY

Vista parcial da individual de Lucia Koch, Galeria Nara Roesler, Nova York

Lucia Koch (n. 1966) vive e trabalha em São Paulo. Suas mais recentes individuais: Double Trouble, no Palais d’Iéna (2022), em Paris; PROPAGANDA, no Instituto de Arte Contemporânea de Inhotim (2021); Casa de vento, na Casa de Vidro (2019), em São Paulo; Uma boa ordem, na Casa Wabi (2019), em Puerto Escondido, México; A longa noite, no Sesc Pompéia (2018); e La temperatura del aire, na Fundación Caja de Burgos (2015), Espanha. No exterior suas obras estão nas coleções do Musée d’Art Contemporain de Lyon; Museum of Contemporary Art San Diego; e The J. Paul Getty Museum, Los Angeles. No Brasil, estão no Instituto de Arte Contemporânea de Inhotim; Museu de Arte do Rio (MAR) e na Pinacoteca do Estado de São Paulo.

SERVIÇO

Lucia Koch: People and Natural Numbers

Até 8 de março de 2025

Galeria Nara Roesler, Nova York

Com colaboração de Cynthia Garcia, historiadora de arte, premiada pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) cynthiagarciabr@gmail.com

Nara Roesler fundou a Galeria Nara Roesler em 1989. Com a sociedade de seus filhos Alexandre e Daniel, a galeria em São Paulo, uma das mais expressivas do mercado, ampliou a atuação inaugurando no Rio de Janeiro, em 2014, e no ano seguinte em Nova York.

info@nararoesler.art
Instagram: @galerianararoesler
http://www.nararoesler.com.br/

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