Medidas contra tecnológicas e frente anti-China. Como a UE planeia responder às tarifas de Trump

Depois do Canadá, do México e da China, a União Europeia (UE) pode ser a próxima vítima da “guerra comercial” da nova Administração dos EUA. Apesar de não se conhecerem detalhes dos planos de Donald Trump, que no início desta semana garantiu que também irá impor tarifas aduaneiras aos produtos europeus, Bruxelas já está a […]

Fev 5, 2025 - 21:33
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Medidas contra tecnológicas e frente anti-China. Como a UE planeia responder às tarifas de Trump

Depois do Canadá, do México e da China, a União Europeia (UE) pode ser a próxima vítima da “guerra comercial” da nova Administração dos EUA. Apesar de não se conhecerem detalhes dos planos de Donald Trump, que no início desta semana garantiu que também irá impor tarifas aduaneiras aos produtos europeus, Bruxelas já está a pensar em como pode retaliar, estando em cima da mesa medidas que visem as gigantes tecnológicas de Silicon Valley. Mas o Executivo comunitário quer negociar com o Presidente norte-americano, o que pode passar por endurecer a postura em relação a Pequim.

De acordo com o Financial Times, a Comissão Europeia pretende recorrer ao “instrumento anti-coerção” (ACI, na sigla em inglês) na eventualidade de uma disputa comercial com Washington, visto como a resposta mais dura possível sem violar o direito internacional.

A ferramenta, que foi proposta em 2021 e entrou em vigor no final de 2023, permite ao braço executivo da UE adotar restrições ao comércio, investimento e financiamento de serviços, caso entenda que um país terceiro está a pressionar os Estados-membros a fazer uma determinada escolha, aplicando, ou ameaçando aplicar, medidas que afetam o comércio ou o investimento.

Entre as medidas que podem ser adotadas no âmbito deste instrumento constam a revogação da proteção dos direitos de propriedade intelectual ou a sua exploração comercial – como downloads de software e plataformas de streaming –, o bloqueio do investimento direto estrangeiro (IDE) e a restrição do acesso ao mercado por bancos, companhias de seguros e outros grupos de serviços financeiros do país em causa.

Ora, segundo dois funcionários citados pelo jornal britânico, a ameaça de Donald Trump de impor taxas aduaneiras aos produtos europeus para coagir a Dinamarca a entregar a Gronelândia aos EUA, e a pressão sobre a União Europeia para abandonar os processos que visam a aplicação da Lei dos Serviços Digitais pelas empresas tecnológicas norte-americanas, configura uma ação em que o Executivo comunitário pode recorrer ao instrumento anti-coerção.

A questão foi tema de debate na reunião de terça-feira dos ministros do Comércio dos 27 Estados-membros da UE, em Varsóvia, sendo que a maioria expressou apoio a uma ação punitiva contra os EUA, se necessário.

No entanto, qualquer medida de retaliação terá de ser proporcional e a Comissão tem de apresentar provas dos prejuízos causados às indústrias europeias. Além disso, os planos têm de obter a aprovação de, pelo menos, 15 dos 27 países do bloco — o que pode demorar várias semanas, tendo em conta que as últimas tarifas retaliatórias impostas pela UE aos EUA, em 2018, levaram três meses a ser aplicadas no terreno.

Prolongamento da trégua aduaneira de 2021 ou uma frente transatlântica contra a China

Ainda que em Bruxelas estejam a avançar os preparativos de uma resposta a uma possível guerra comercial transatlântica, a decisão do Presidente dos EUA de adiar em cerca de um mês a aplicação de taxas aduaneiras ao México e ao Canadá reforçou as esperanças dos 27 de que conseguirão negociar com Donald Trump de modo a evitar uma luta tarifária.

O facto de não ter bons contactos com a nova Administração norte-americana é um grande obstáculo para a Comissão Europeia. Mas, segundo a Bloomberg, é provável que a UE opte por prolongar a suspensão das tarifas aduaneiras sobre cerca de 3.000 milhões de dólares de produtos norte-americanos, que incluíam os motociclos da Harley-Davidson e as jeans da Levis.

As taxas em causa tinham sido aplicadas após os EUA, durante a primeira Presidência de Donald Trump, em 2018, terem imposto direitos aduaneiros a quase 7.000 milhões de dólares de importações europeias de aço e alumínio. Ambas as partes concordaram com uma trégua temporária em 2021, quando Washington retirou parcialmente as suas medidas e a UE congelou todas as restrições. Porém, o hiato está previsto terminar no final de março.

Outra hipótese em cima da mesa, avançada pelo Politico, é um endurecimento da posição da UE contra a China. Apesar das recentes decisões de Trump, Bruxelas continua a preferir manter a aliança com os Estados Unidos.

Tal ficou evidente nas palavras do comissário europeu com a pasta do Comércio, Maroš Šefčovič, que, na semana passada, lançou a ideia de os 27 se unirem a Washington para “lidar com os desafios conjuntos provenientes das políticas de não mercado da China”.

Já esta segunda-feira, a chefe da diplomacia europeia, Kaja Kallas, afirmou: “Se os Estados Unidos iniciarem uma guerra comercial, quem se vai rir ao lado é a China. Estamos muito interligados, precisamos da América e a América também precisa de nós.”

No entanto, Agathe Demarais, do think tank European Council on Foreign Relations (ECFR), alerta que uma frente de ataque contra Pequim pode ser um erro de cálculo perigoso, uma vez que pode minar a credibilidade da Europa em futuras negociações e quebrar a unidade dos 27.

“Dado o elevado nível de divergência entre os Estados-membros da UE sobre a forma de abordar as relações com Pequim, é praticamente nula a possibilidade de o bloco comunitário adotar medidas suficientemente fortes para apaziguar Trump”, disse, acrescentando que as políticas europeias “não deverão impressionar muito” o líder da Casa Branca.

Na mesma linha, François Godement, do think tank Institut Montaigne, com sede em Paris, considera que a UE, em vez de se unir a Donald Trump para atacar a China, deve “manter-se em silêncio, mas criar contramedidas”, lembrando o poder que Elon Musk, próximo do Presidente dos EUA, tem como proprietário da rede social X para influenciar a opinião pública.

A abordagem em relação à China diverge entre os países da União Europeia. Por exemplo, enquanto a Lituânia anunciou, em junho de 2021, uma melhoria das suas relações comerciais com Taiwan, levando Pequim a impor restrições comerciais a Vilnius, a Alemanha partilha fortes laços industriais com o gigante asiático, o que a conduziu a um esforço (falhado) de impedir a Comissão de impor direitos aduaneiros aos veículos elétricos chineses.

Logo a seguir aos Estados Unidos, a China é o segundo maior parceiro comercial do bloco comunitário, com as trocas comerciais a atingirem os 739 mil milhões de euros em 2023 – sendo que só a Alemanha representou cerca de um terço desse valor.