Filme sobre indígenas isolados está proibido há oito meses

Desde 1987 o Brasil adota a política de não fazer contato com os indígenas isolados, por entender que eles optaram por viver à margem da sociedade. Apesar disso, em 2019, a Funai decidiu contactar um grupo isolado de korubos, considerando que corriam risco de serem massacrados num conflito territorial com os matis. Uma expedição foi organizada pelo indigenista Bruno Pereira e filmada pelo diretor Bruno Jorge – que registrou toda a empreitada no documentário A invenção do outro. Em junho de 2022, Pereira foi emboscado e morto, aos 41 anos, junto com o jornalista britânico Dom Phillips, por um grupo de pessoas envolvidas com a pesca ilegal e o narcotráfico. Da noite para o dia, o filme de Jorge ganhou uma camada inesperada de sentido por ser um registro sem equivalente da atuação do indigenista, que se tornou uma figura emblemática da resistência às violações aos direitos dos indígenas durante o governo Bolsonaro. The post Filme sobre indígenas isolados está proibido há oito meses first appeared on revista piauí.

Fev 7, 2025 - 13:42
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Filme sobre indígenas isolados está proibido há oito meses

Desde 1987 o Brasil adota a política de não fazer contato com os indígenas isolados, por entender que eles optaram por viver à margem da sociedade. Apesar disso, em 2019, a Funai decidiu contactar um grupo isolado de korubos, considerando que corriam risco de serem massacrados num conflito territorial com os matis. Uma expedição foi organizada pelo indigenista Bruno Pereira e filmada pelo diretor Bruno Jorge – que registrou toda a empreitada no documentário A invenção do outro.

Em junho de 2022, Pereira foi emboscado e morto, aos 41 anos, junto com o jornalista britânico Dom Phillips, por um grupo de pessoas envolvidas com a pesca ilegal e o narcotráfico. Da noite para o dia, o filme de Jorge ganhou uma camada inesperada de sentido por ser um registro sem equivalente da atuação do indigenista, que se tornou uma figura emblemática da resistência às violações aos direitos dos indígenas durante o governo Bolsonaro.

A invenção do outro estreou em novembro de 2022, no Festival de Brasília, e ganhou os prêmios de melhor filme, fotografia, montagem e edição de som. Também concorreu no festival belga Docville e levou o prêmio de melhor documentário internacional. A estreia comercial do filme foi marcada para 23 de maio de 2024. No mesmo dia, a Funai entrou com uma ação na Justiça, reivindicando sua suspensão imediata. A fundação quer que o diretor mostre o filme antes aos korubos e obtenha a autorização deles para veicular suas imagens.

 

Uma portaria de 2006 da Funai determina que indígenas retratados em registros audiovisuais precisam dar autorização expressa para a captação e reprodução de sua imagem. Antes disso, o Brasil já era signatário de uma convenção internacional segundo a qual os povos indígenas devem ser consultados para dar o consentimento livre, prévio e informado sempre que uma atividade puder afetar diretamente sua cultura ou forma de vida.

Mas a atitude da Funai surpreendeu Bruno Jorge, que tinha sido convidado por Bruno Pereira para participar da expedição, com passagens e diárias pagas pela fundação. Para o diretor, o aval de Pereira e da Funai já implicava na autorização para seguir com o filme. Ele também alega que a fundação sabe do desafio que é pedir uma tal autorização a indígenas que nunca viram uma câmera e não sabem o que é um documentário. Tanto que a fundação nunca cobrou a anuência para a exibição de outras filmagens de indígenas isolados. Em dezembro de 2024, a própria Funai distribuiu à imprensa vídeos de um grupo de isolados sem consultá-los.

Os korubos têm aversão a registros audiovisuais deles próprios, conforme relata uma antropóloga que viveu um ano e dois meses entre eles. Mas isso não impediu que eles autorizassem que o fotógrafo Sebastião Salgado fizesse e expusesse uma série de retratos de korubos em 2017, numa negociação intermediada pela Funai.

Apesar da interdição do filme, imagens dos korubos feitas por Bruno Jorge estão disponíveis no documentário Vale dos isolados, dirigido pela jornalista Sônia Bridi, da Rede Globo, sobre o assassinato de Bruno Pereira e Dom Phillips. Jorge licenciou dez minutos de A invenção do outro para o filme de Bridi, que está disponível na Globoplay. Ao contrário do que aconteceu com Jorge, nem a Globo nem Sônia Bridi receberam qualquer notificação judicial ou extrajudicial referente ao caso. 

Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.

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